O cigarro é responsável por aproximadamente 85% dos casos de câncer de pulmão no mundo. Embora essa relação seja conhecida pela população, o que ocorre dentro dos pulmões até que um tumor se desenvolva raramente é explicado com clareza. A seguir, detalhamos, de forma objetiva, como as substâncias presentes na fumaça do cigarro desencadeiam um processo lento, progressivo e altamente destrutivo.
A porta de entrada: os alvéolos pulmonares
O processo começa nos alvéolos, pequenas estruturas em forma de saco onde ocorrem as trocas gasosas essenciais para a vida. São revestidos por células epiteliais delicadas, altamente vulneráveis a agentes tóxicos. Essas células têm alta taxa de renovação, o que as torna mais suscetíveis a erros genéticos quando expostas a agressões repetidas.
Exposição contínua a substâncias cancerígenas
A fumaça do cigarro contém mais de 7.000 substâncias químicas, das quais pelo menos 70 são reconhecidamente cancerígenas, como benzeno, arsênio, níquel, formaldeído e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos. Além disso, fatores ambientais como poluição e exposição ocupacional a agentes como amianto também contribuem para a agressão celular.
Cada tragada leva essas toxinas diretamente ao interior dos pulmões, alcançando rapidamente os alvéolos.
Agressão ao DNA das células epiteliais
As substâncias tóxicas entram em contato direto com o revestimento alveolar e desencadeiam dano genético. Isso ocorre através de diversos mecanismos:
- formação de radicais livres;
- ligação direta de agentes químicos ao DNA;
- inflamação crônica que perpetua lesões celulares;
- interferência nos mecanismos naturais de reparo genético.
Com o tempo, esses danos acumulados ultrapassam a capacidade do organismo de reparar as células.
Mutações e perda de controle celular
O DNA danificado leva a mutações, principalmente em genes responsáveis por regular o ciclo celular. Entre eles:
- genes supressores tumorais (como TP53 e RB1);
- genes que controlam o reparo do DNA;
- genes que promovem divisão celular.
Quando esses sistemas falham, as células passam a se dividir de forma desordenada, perdendo os mecanismos normais de morte celular programada (apoptose). Surge então o primeiro passo para a formação de um tumor.
Da mutação ao tumor
As células alteradas começam a se multiplicar sem controle, formando lesões iniciais que podem se transformar em neoplasias. Em muitos casos, essas lesões permanecem silenciosas por anos, o que explica por que o câncer de pulmão frequentemente é diagnosticado em fases avançadas.
Além disso, a exposição contínua ao cigarro sustenta o processo: novas agressões, novas mutações e maior instabilidade genética.
Invasão e metástase
Conforme o tumor cresce, ele invade estruturas próximas, destrói o tecido pulmonar e pode alcançar vasos sanguíneos e linfáticos. A partir daí, células tumorais podem migrar para outras regiões do corpo, formando metástases — especialmente no cérebro, ossos, fígado e glândulas adrenais.
Esse processo agressivo é a razão pela qual o câncer de pulmão é uma das doenças oncológicas mais letais.
Conclusão
O desenvolvimento do câncer de pulmão é resultado de um longo caminho de agressões repetidas, danos ao DNA e falhas nos mecanismos naturais de defesa celular. A boa notícia é que esse processo é amplamente prevenível: parar de fumar reduz significativamente o risco, e o rastreamento com tomografia de baixa dose permite identificar lesões antes dos sintomas.
Compreender esse mecanismo é essencial para reforçar a importância do combate ao tabagismo e da vigilância contínua da saúde respiratória.
Referências
- U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Smoking – 50 Years of Progress. Surgeon General Report, 2014.
- International Agency for Research on Cancer (IARC). Monographs on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans: Tobacco Smoke and Involuntary Smoking, 2020.
- Herbst RS et al. The Biology and Management of Non–Small Cell Lung Cancer. Nature, 2018.
- National Cancer Institute. Cigarette Smoke and Cancer, 2023.
- Goldstraw P et al. Lung Cancer Staging and Biology. Journal of Thoracic Oncology, 2022.




